O dono do Redundância se chama Pleonasmo. Mas nós, como somos íntimos, o chamamos só de Pleu. Ele também participa de nossas conversas, e muitas vezes senta-se a beber e jogar papo fora, como é de costume. É uma pessoa íntegra. Dizem que ele é exatamente igual há pelo menos 30 anos.
Um dia desses, ele nos apresentou um amigo, o Óbvio. Ele era exatamente como imaginávamos. Nem muito alto, nem muito baixo, nem cabeludo, nem calvo, era ele mesmo, Óbvio. Um rapaz bom, que era adorado e lembrado por todos. Não tinha como tirar ele da cabeça. Aonde se ia ouvia-se falar no Óbvio. Mas também pudera, tudo que ele falava era muito claro, qualquer um conseguia entender. Ele se expressava muito bem. Isso eu notei logo na primeira rodada de whiskey - sempre bebíamos a mesma marca no Redundância - quando ele começou a falar de futebol. Ele deu uma verdadeira aula! Começando pelo fato de que ele sabia de tudo, disse, por exemplo, que em um jogo vence que faz mais gols. Não fiquei muito surpreso, já esperava isso, mas quando ele falava parecia que só ele sabia, que nós éramos leigos no assunto. Afinal, tudo que o Óbvio fala é incontestável, e quem discorda passa por tolo facilmente.
Ele versava sem parar, e de repente parou! Levantou da mesa, deixou o copo suado na beirada, e nós ficamos olhando a cena. Abriu o celular, foi para o canto do bar, longe da música, e pôs o dedo indicador no ouvido esquerdo. Foram longos cinco minutos de espera. Não conversávamos. Agora não tínhamos mais assunto sem o Óbvio. Ficamos dependentes. De repente ele volta, franze a testa, senta-se na mesma cadeira e sacode o gelo do copo com um jogo de pulso. Olha bem fundo no copo, bebe um gole daquele destilado, que naquela altura era mais água do que whiskey. Fica pensativo durante alguns segundos e nos olha. Diz que seu irmão está vindo até o bar para juntar-se a nós. Não entendo a preocupação dele, afinal nem parecia mais o Óbvio. Ele diz que não gosta muito desse seu irmão e por isso o descontentamento.
Voltamos a conversar. E depois de alguns minutos tudo voltava ao normal, quando após uma hora de espera chega seu irmão, o Verídico. Eles não tinham nada a ver um com o outro. Tudo que se via em Óbvio não tinha nada de Verídico. Até o Pleu não entendia o parentesco daqueles dois. Eu e meus amigos ficamos atentos. Logo percebi que Verídico era um cara mais seguro, falava pouco, mas sempre com convicção. Parecia ter certeza do que dizia, apesar de muitas vezes não entendermos do que se tratavam suas palavras. Mesmo com aquele desconforto que a situação gerava, estávamos gradativamente nos soltado, claro, com a ajuda do álcool.
Ali ficamos a noite inteira. Até que Óbvio e Verídico começaram a discutir. Tudo que um falava o outro dizia o inverso. Óbvio argumentava que gostava mais do seu outro irmão, o Consenso. Afinal, tudo que Óbvio pensava era aprovado pelo Consenso. Ao tocar no nome do outro irmão os dois quase quebraram a mesa ao meio, devido as constantes batidas com a palma da mão na tábua.
Logo, para o bem de todos, resolveram partir. Óbvio foi para o lugar de sempre, Verídico saiu por aí, sem destino. Nos sentimos bem, mas ficamos sem o que conversar. Sem o Óbvio não tinha assunto, e como conhecemos pouco seu irmão, também não tínhamos nada de Verídico pra dizer. Resolvemos partir, Pleonasmo fez a mesma coisa que faz todos os sábados, nós também. Na despedida nenhuma palavra, alguns olhares e sinais apenas. Na rua, um vento morno, ao fundo vi o sol nascendo, com um tom de violeta e laranja no horizonte. Acendi um cigarro, vei que o Senso Comum acabava de fechar também. Lá não havia nenhum chato incomodando no fim da noite, todos sabiam a hora que o bar fechava. Naquela noite aprendi tudo que o Óbvio falava, mas não gostei nada do que seu irmão dizia. Verídico era um chato! Nada que ele disse no pouco tempo que esteve entre nós fez sentido. Decidi convidar Óbvio para beber semana que vem, mas só ele, afinal, quem precisa de Verídico quando se tem o Óbvio?